Os Judeus em Portugal
Presen�a e Mem�ria
Esther Mucznik
H� mais de um s�culo,
precisamente em 1880, um homem lan�ava um apelo � uni�o dos judeus de Lisboa e
� "constitui��o da col�nia israelita de Lisboa". Esse homem chamava-se
Abraham Anahory, mas s� viu o seu sonho realizado 17 anos depois, em
1897, quando sob o en�rgico impulso de um outro Anahory, Sim�o, teve lugar
a 14 de Mar�o a que ficou conhecida como a "Sess�o inaugural do Comit�
Israelita de Lisboa".
Hoje, nomes como,
Anahory, Zagury, Bensabat, Bensa�de, Abecassis, Buzaglo
e tantos outros, nomes ligados � funda��o da Comunidade Israelita de Lisboa e
a todas as suas institui��es, esses nomes j� n�o constam dos registos dos
actuais membros da Comunidade.
Por que raz�o?
Morreram sem deixar descend�ncia?
� provavelmente o caso
de alguns, mas na esmagadora maioria dos casos, esse desaparecimento d�-se por
assimila��o. Ou seja, a extremamente bem conseguida integra��o social
dos judeus portugueses, nos s�culos XIX e XX, levou e continua a levar � sua
assimila��o pura e simples pela sociedade cat�lica maiorit�ria, nomeadamente
atrav�s da convers�o pelo casamento.
Este meu trabalho
sobre os judeus em Portugal tem como pano de fundo uma quest�o, que sempre tem
atormentado a di�spora judaica, embora seja comum a todas as minorias: como
manter viva uma identidade espec�fica, sem cair no isolacionismo? Como
participar plenamente na cidadania comum, impedindo a assimila��o pura e
simples? Velha quest�o, mas que hoje em �poca de liberdade, de
reconhecimento dos direitos das minorias, coloca novos desafios e exige novas
respostas.
Regresso dos Judeus ou do Juda�smo?
Quando se fala da
presen�a contempor�nea� dos judeus em Portugal, fala-se normalmente do seu
regresso nos princ�pios do sec.XIX, coincidindo com o enfraquecimento da
Inquisi��o e a sua aboli��o em 1821. Mas seria mais rigoroso falar em
regresso do juda�smo, em vez de regresso dos judeus.
De facto, apesar de
alguns dos nomes dos judeus que se instalaram em Portugal em princ�pios do sec.
XIX, evocarem eventualmente as suas terras de origem ib�rica (Cardoso, Pinto,
Sequerra, Conquy) e indicarem, portanto uma origem sefardita remota, a maioria
eram cidad�os origin�rios de Marrocos e de Gibraltar, em busca de melhores
condi��es de vida, cujo "regresso" seria dif�cil de provar� e de cuja
eventualidade eles n�o teriam certamente nem mem�ria nem consci�ncia.
Esta aus�ncia de
continuidade hist�rica vai pesar mais tarde nas rela��es, nem sempre
f�ceis que a Comunidade Israelita de Lisboa ter� com os marranos portugueses e
nomeadamente com o grande movimento de retorno ao juda�smo oficial, por parte
de numerosos cripto-judeus portugueses nos anos 20, j� no nosso s�culo.
Ali�s, de uma forma ou
de outra, os judeus portugueses �est�o permanentemente confrontados e cada
vez mais com a mem�ria de outras presen�as, nomeadamente, a presen�a da
comunidade judaica portuguesa de antes da expuls�o ou a comunidade crist�-nova
do tempo da Inquisi��o. S�o, podemos diz�-lo, presen�as ausentes mas que
actuam no inconsciente colectivo da mem�ria portuguesa, fornecendo-lhe
refer�ncias e sobretudo estere�tipos.
Grupos de judeus�
instalaram-se como tal em Portugal, logo no in�cio do sec. XIX, mesmo antes da
aboli��o da Inquisi��o, que s� ter� lugar oficialmente e por decreto do
Governo Revolucion�rio, a 31 de Mar�o de 1821.
Vindos essencialmente
de Marrocos e de Gibraltar, instalaram-se fundamentalmente em Lisboa, nos
A�ores e em Faro. Eram pessoas com n�vel cultural acima da m�dia, sabendo
ler e escrever e falando, para al�m do hebraico lit�rgico, o ingl�s ou o �rabe
e o haquitia, dialecto judaico-hispano-marroquino. Tinham numerosos contactos
internacionais, n�o s� devido �s actividades comerciais, mas tamb�m devido aos
la�os familiares espalhados pelo mundo. Estes factores explicam o seu r�pido
florescimento econ�mico e cultural.
Os judeus que se
instalaram em Lisboa, vindos, em grande parte, de Gibraltar, mantiveram
cautelosamente a sua cidadania brit�nica. Data de 1801 a obten��o de um
pequeno terreno, no cemit�rio ingl�s da Estrela, para inuma��o dos mortos
segundo o ritual judaico e a primeira sepultura � a de Jos� Amzalaga,
falecido a 26 de Fevereiro de 1804, segundo o epit�fio inscrito.
Em 1810, j� havia em
Lisboa tr�s pequenos centros de ora��o que funcionavam em casas particulares,
mas a primeira sinagoga p�blica data de 1813 e foi criada pelo Rabino
Abraham Dabella com o nome de Shaar Hashamaim (P�rtico do C�u), que era
tamb�m o nome da velha comunidade sefardita de Londres.
Para os judeus
portugueses, o sec. XIX � marcado por dois combates paralelos , mas
intimamente relacionados:
A Consolida��o
Reconhecida
oficialmente, e beneficiando de um clima pol�tico e ideol�gico mais aberto, a
Comunidade Israelita tem uma margem de manobra maior e vai aproveit�-la para
desenvolver e consolidar as suas institui��es.
Logo em 1912 s�o
eleitos os primeiros corpos gerentes da Comunidade Israelita de Lisboa:
Isaac Levy� que, com Sim�o Anahory, foi o grande obreiro da unifica��o da
Comunidade e da edifica��o da Sinagoga, foi o primeiro presidente; Elias
Anahory, Vice-Presidente e Mois�s Bensabat Amzalak, 2� Secret�rio, integrando
assim desde o in�cio uma direc��o da qual s� sair� � sua morte em 1978, ou
seja 66 depois. Abraham Bensa�de, j� Presidente Honor�rio do Comit� Israelita
desde 1897, � de novo reeleito em 1912.
Nesse mesmo ano, a
Comunidade cria o Boletim, elo de liga��o e corrente de informa��o,
entre o comit� directivo e os seus membros, que ser� publicado at� 1919,
saindo seis n�meros. Funda tamb�m, a Associa��o de Estudos Hebraicos
Ub�-Le-Sion, em Dezembro de 1912, organiza��o de car�cter cultural e
sionista, dirigida por Adolfo Benarus. Em conjunto com a associa��o portuense
Malakah Sionith, fundada e presidida pelo Capit�o de Barros Basto, em
1915, ser� criada a Federa��o Sionista de Portugal, em 1920.
�Em 1914, � criada a
Biblioteca Israelita a funcionar nas instala��es da Sinagoga e em
1916,� o Albergue Israelita, embri�o do futuro Hospital Israelita, na
Travessa do Noronha, onde passa tamb�m a funcionar a Cozinha Econ�mica.
Esta �ltima j� tem nessa �poca um papel muito importante: segundo os
relat�rios desta institui��o, em 1899, ano da sua cria��o, foram servidos
4.972 jantares, em 1916� foram servidos 10.484.
Em 1922, Adolfo
Benarus consegue realizar o seu sonho: � inaugurada a 23 de Outubro, na TV. do
Noronha, a Escola Israelita, presidida por Sofia Abecassis. Adolfo
Benarus � o director pedag�gico. " A escola recebe crian�as a partir dos 4
anos de idade e as disciplinas leccionadas s�o : Ensino Infantil (dos 4 aos 7
anos), Ensino Prim�rio Geral (a partir dos 7 anos), que habilita ao exame de
admiss�o aos liceus, Hist�ria do povo de Israel, L�ngua Hebraica, L�ngua
Inglesa, L�ngua Francesa, Gin�stica M�dica e Costura e Bordados (sexo
feminino)". (Folheto da Direc��o
da Escola, de 2 de
Mar�o de 1923).
Em 1925, � a vez do
Hehaver, organiza��o da juventude israelita, de car�cter sionista, e que
ter� um importante papel na dinamiza��o do apoio aos refugiados durante a II
Guerra.
Em 1928 sai o 1� e
�nico n�mero da Revista de Estudos Hebraicos, publicada pelo Instituto
de Estudos Hebraicos de Portugal, dirigida por Moses Bensabat Amzalak. Conta
com colabora��es de grande qualidade, entre as quais, Jos� Leite de
Vasconcelos, Joaquim de Carvalho e Augusto da Silva de Carvalho, al�m de Artur
Carlos de Barros Basto, Adolfo Benarus e o pr�prio Moses B. Amzalak.
O per�odo entre as
duas guerras e mais precisamente a 2� e 3� d�cada do sec. XX, � pois um
per�odo de pujan�a para o juda�smo portugu�s.
� tamb�m um per�odo de
chegada de imigrantes da R�ssia e da Pol�nia, nomeadamente devido a
persegui��es anti-semitas .� Estas pessoas v�o-se integrando na comunidade,
umas mais facilmente, outras com maior dificuldade como mostra o apelo
dirigido � " Col�nia Judeo-Polaca....para tratar� da (sua) participa��o mais
intensa e numerosa em todas as institui��es da Comunidade Judaica de Lisboa".
Este apelo � assinado por elementos asquenazim (oriundos da Europa Central e
Oriental) pertencentes aos corpos gerentes da C.I.L., W. Terlo, S. Sorin,
Bromberg e S. Schwarz.
Mas, contrariamente a
uma ideia corrente, apesar de ter crescido , a comunidade n�o era muito
maior do que � hoje. Em 1916, havia cerca de 180 chefes de fam�lia
inscritos em Lisboa, o que representaria cerca de 800 a 1000 judeus. Nesse
mesmo ano, nasceram 18 crian�as e enterraram-se 12 pessoas. N�o era, pois, em
tamanho, uma comunidade muito maior. Era, sim, uma comunidade mais
participativa, que vivia a sua identidade com� maior consci�ncia. Uma
comunidade mais praticante, para quem a Sinagoga era, de facto, a casa comum e
as suas institui��es uma forma de praticar a sua religi�o.
O fen�meno Cripto-Judaico

Paralelamente ao
desenvolvimento do juda�smo lisboeta, para o qual tamb�m v�m convergir� os
judeus das comunidades dos A�ores e de Faro, assiste-se nomeadamente nos anos
20 e 30� a um fen�meno de retorno ao juda�smo aberto, por parte de numerosos
cripto-judeus, no Norte e no Nordeste do pa�s. Sob o impulso en�rgico e
apaixonado de um homem, o Capit�o de Barros Basto, ele pr�prio marrano
convertido ao juda�smo oficial, criam-se comunidades e sinagogas nalguns
dos principais centros de cripto- juda�smo, Porto, Bragan�a, Covilh�, Belmonte...
Contrariamente ao
juda�smo lisboeta, relativamente circunscrito e bem integrado na sociedade, a
rebeli�o marrana assusta o poder e sobretudo a igreja. Trata-se, de
facto, de homens e mulheres que sacodem as suas apar�ncias cat�licas e
afirmam, � luz� do dia, as cren�as e pr�ticas seculares judaicas. Emergem das
sombras para onde a Inquisi��o os relegou, instabilizam aldeias e vilas,
hierarquias e poderes. N�o lhes perdoar�o: acusado de atentado � moral, o
"Ap�stolo dos Marranos" ser� afastado do ex�rcito e o seu prest�gio muito
abalado, dificultando e enfraquecendo a sua obra.
A an�lise das raz�es
que levaram ao fracasso do movimento n�o cabem no �mbito deste trabalho.
Em contrapartida, �
interessante analisar a forma como reagiu a Comunidade de Lisboa a este
fen�meno.
Efectivamente a
leitura das actas do Comit� da Comunidade mostra-nos opini�es diferentes a
este respeito: enquanto que Abraham Levy protesta contra as "circuncis�es dos
crist�os novos, porque n�o temos nenhuma autoridade religiosa que assuma a
responsabilidade destes actos" e Samuel Sorin considera a Comunidade em
forma��o do Porto "uma seita, porque as ora��es que viu n�o o satisfizeram por
serem falhas do ritual tradicional ortodoxo", Moses Amzalak, Samuel Schwartz e
Adolfo Benarus t�m um vis�o muito mais vasta e favor�vel ao movimento. (Actas
das sess�es do Comit� de 21 de Abril e 27 de Outubro de 1927)
Nomeadamente, o prof.
Amzalak defende que sejam feitas as circuncis�es de crist�os novos,
argumentando que "para o caso do ingresso dos cripto judeus no seio do
juda�smo tinha sido consultado a seu tempo o Gr�o Rabino da Palestina, Rev.
Jacob Meir que se declarou abertamente a favor do ingresso dos referidos
cripto-judeus, logo que esteja averiguada a sua qualidade de descendentes dos
nossos antigos irm�os for�ados a aceitarem o cristianismo para fugirem �s
persegui��es." (mesmas actas)
Amzalak enaltece a
obra de Barros Basto, considerando a sua obra "admir�vel e ele possui
qualidades �nicas para a realizar, pois al�m de ser um ap�stolo pela sua
miss�o at� ao sacrif�cio da vida, � tamb�m um militar ilustre do ex�rcito
portugu�s, o que politicamente d� a garantia de que nunca a sua obra poder�
ser acusada de anti-portuguesa."
� tamb�m sob proposta
de Mois�s Amzalak que � votado, na reuni�o de 21 de Abril de 1927, um subs�dio
de 100$ " ao jornal israelita Halapid, publicado na cidade do Porto,
sob a direc��o do C�. Barros Bastos. E, na reuni�o do Comit�, de 19 de
Dezembro do mesmo ano, Amzalak anuncia a funda��o pelo Capit�o de uma nova
comunidade em Bragan�a e que " sendo prov�vel que novas comunidades se venham
a formar entre os cripto judeus que entrarem no juda�smo tradicional, se
figurava tanto ao Sr. Barros Bastos como ao Sr Amzalak que seria �til...se
fundasse um corpo directivo que exerceria por assim dizer uma ac��o
orientadora sob a qual se reuniriam todas as comunidades de Portugal, tendo j�
sido elaborado pelo pr�prio Barros Basto, o projecto das bases desse
organismo." (acta da reuni�o)
No entanto, a
Comunidade Israelita de Lisboa considera que,� como representante da
ortodoxia, deve ser ela a auxiliar e orientar todas as outras que est�o em
vias de desenvolvimento� em Portugal. Nomeadamente, Samuel Schwartz e
Adolfo Benarus discordam da orienta��o de B. Basto, no campo da educa��o
das crian�as cripto judaicas, considerando que esta se deve fazer em Lisboa,
em conjunto com as crian�as judias " do que resultaria uma grande vantagem sob
todos os pontos de vista, inclusive o dos casamentos no futuro". (Adolfo
Benarus, reuni�o do Comit� de 8 de Junho de 1930). Tamb�m S. Schwartz
considera fundamental que" se abram escolas� onde a educa��o das juventudes
crist�-nova e judia se fa�a de forma a realizar uma confraterniza��o completa.
Julga "important�ssimo um chefe espiritual, mas em Lisboa, e que
superintendesse e orientasse a comunidade do Porto".(mesma reuni�o).
Como se sabe, esta n�o
ser� a op��o decidida, nem por Barros Bastos, nem pelos comit�s de apoio aos
marranos que se criam em Londres e Amsterd�o.�����
A 2� Guerra e o Papel da Comunidade no Apoio aos Judeus Refugiados
A subida ao poder de
Hitler, na Alemanha, e a implanta��o do nazismo v�m provocar grandes
altera��es no mundo europeu e, se bem que de uma forma diferente, tamb�m em
Portugal.
Logo a partir de 1933
come�am a chegar as primeiras vagas de refugiados, sobretudo alem�es,� a
Portugal� e a Comunidade e o Hehaver v�o criar, logo em 1933, a COMASSIS,
Comiss�o Portuguesa de Assist�ncia aos Judeus Refugiados, presidida primeiro
por Adolfo Benarus e mais tarde por Augusto Esaguy.
A COMASSIS, que se
mant�m at� 1941, ou seja, at� � entrada na guerra dos Estados Unidos, teve, ao
longo dos seus 8 anos de vida, um papel muito importante, prestando
assist�ncia moral e material a cerca de 40.000 refugiados, nomeadamente
com o apoio da Cozinha Econ�mica� e do Hospital Israelita e conseguindo que a
HICEM e a� JOINT (American Joint Distribution Commitee), organismos judaicos
de assist�ncia aos refugiados, subsidiassem materialmente a sua ac��o,
pagando as viagens e o sustento dos refugiados.(Relat�rio de A.Esaguy de
1941-Arquivo da C.I.L)
Foi tamb�m a COMASSIS
que conseguiu das autoridades portuguesas as autoriza��es para a instala��o
em Portugal, ap�s a queda da Fran�a, da JOINT e da HICEM, permitindo-lhes
exercer a sua actividade benem�rita em Portugal.
Com a entrada na
guerra dos Estados Unidas a situa��o altera-se e a Comunidade vai modificar
tamb�m a sua ac��o no apoio aos refugiados.
Vivia-se, de facto, em
Portugal um momento crucial. Lisboa estava inundada de refugiados - segundo os
dados do Alto Comissariado Para os Refugiados da Sociedade das Na��es, s�
entre a derrota da Fran�a em Junho de 1940 e meados de 1941, entraram em
Portugal mais de 50 mil refugiados, muitos dos quais com vistos passados pelo
C�nsul de Portugal em Bord�us, Aristides de Sousa Mendes,� em clara
desobedi�ncia �s ordens de Salazar.
Com efeito, apesar da
pol�tica portuguesa de neutralidade, no quadro da tradicional alian�a
de Portugal com a Inglaterra, apesar da abertura das fronteiras para o
tr�nsito dos refugiados, a Pol�cia Pol�tica portuguesa era contr�ria ao
acolhimento em massa dos refugiados, indesej�veis pol�tica e
ideologicamente.. Um telegrama do Ministro dos Neg�cios Estrangeiros, enviado
para a Lega��o de Haia a 23 de Abril de 1940, diz o seguinte:" Crescente
aflu�ncia judeus a Portugal e actividade que aqui desenvolvem tornam
inconveniente segundo opini�o Policia Vigil�ncia e Defesa do Estado continue
ser-lhes permitida entrada no pa�s, independentemente nacionalidade
interessados.(...) Nenhum visto passaporte judeus poder� ser concedido sem
autoriza��o deste Minist�rio."(transcrito por Patrik von zur Muhlen em
'Caminhos de fuga por Espanha e Portugal').
Nesta situa��o
dram�tica, o Presidente da Comunidade Israelita de Lisboa , Mois�s Amzalak,
toma duas iniciativas que v�o ter uma grande import�ncia para os refugiados.
Utilizando o seu bom nome e a sua credibilidade- Amzalak era, j� nessa altura,
vice reitor da Universidade T�cnica de Lisboa, autor de numerosa bibliografia
e, facto muito importante, tinha estudado em Coimbra com Salazar, gozando da
sua confian�a - o presidente da C.I.L vai falar com Salazar, vai interceder
junto dele para manter abertas as fronteiras para o tr�nsito dos refugiados.
Em segundo lugar,
prop�e aos dirigentes da JOINT e da HICEM assumir directamente, atrav�s da
pr�pria estrutura da Comunidade, o apoio aos refugiados, o que � aceite
com al�vio e grande satisfa��o como est� expresso na correspond�ncia de
Dezembro de 1941(Arquivo da C.I.L.).
Com efeito, devido �
entrada na guerra dos E.U., era incerta a possibilidade de perman�ncia em
Portugal das organiza��es americanas de assist�ncia aos refugiados.
Por outro lado, quer
do ponto de vista financeiro, ( era necess�rio que o dinheiro da
Am�rica viesse em nome de pessoas ou entidades portuguesas ), quer do ponto de
vista do relacionamento com as autoridades portuguesas, nomeadamente
com o Minist�rio dos Neg�cios Estrangeiros e com a PIDE, era fundamental um
organismo portugu�s, um interlocutor que gozasse de respeitabilidade e de
credibilidade. � assim criada a Sec��o de Assist�ncia aos Refugiados da
Comunidade Israelita de Lisboa, dirigida por Elias Baruel, Vice-Presidente
da Comunidade, que ir� funcionar at� meados dos anos 50.
Embora pequena, a
Comunidade judaica de Lisboa desempenhou um papel importante.� Composta por
m�dicos, juristas, professores e negociantes, bem integrados na sociedade
portuguesa, chefiada por um homem que gozava da confian�a do poder, a
comunidade soube colocar� essas caracter�sticas ao servi�o dos refugiados,
dando assim um valioso contributo ao salvamento de milhares de pessoas. Foi
o interlocutor certo, no momento certo.
A travessia do deserto
A pol�tica portuguesa
de abertura das fronteiras, antes e durante a guerra, permitiu salvar dezenas
de milhares de pessoas que de outro modo teriam perecido.
Mas o receio da
influ�ncia de ideias e comportamentos considerados subversivos, por um lado e,
por outro, o receio de vir a constituir-se em Portugal um minoria judaica
forte,
podendo eventualmente criar-se uma "quest�o judaica" (Portugal n�o tem nenhum
problema judeu, mas seria insensato permitir que tal viesse a acontecer -
palavras do Secret�rio Geral do Minist�rio dos Neg�cios Estrangeiros, Luiz
Teixeira de Sampaio, em Julho de 1939), estes receios levaram a que Portugal
n�o permitisse nem beneficiasse de uma instala��o duradoura dos refugiados.
Assim, contrariamente
�s previs�es e � esperan�a de muitos judeus portugueses, permaneceram em
Portugal, muito poucos refugiados, perdendo assim a comunidade uma
oportunidade �nica de crescimento e desenvolvimento a n�vel religioso,
cultural, etc.
Os poucos que ficaram,
alguns de grande valor, como o Prof. Kurt Jacobson que foi reitor da Faculdade
de Ci�ncias de Lisboa, alteraram, no entanto, as propor��es
maioritariamente sefarditas da Comunidade.
Assim, em 1892,� entre
os nomes dos 131 chefes de fam�lia israelitas recenseados, apenas 4 s�o
asquenazim ( um dos quais �, ali�s o ministro oficiante da sinagoga Es Haim
2�, Rev. Wolfinsohn). Ainda nos anos 20, j� no nosso s�culo, em 179
contribuintes, apenas 12 s�o asquenazim.
Em 1950, a situa��o �
totalmente diferente: numa lista de 290 chefes de fam�lia contribuintes, 164,
ou seja, mais de metade s�o asquenazim. Em 1960, mant�m-se
sensivelmente a mesma propor��o.
Efectivamente, como
acima foi referido, alterou-se a composi��o da comunidade, devido em primeiro
lugar, � imigra��o de judeus russos e polacos, essencialmente no primeiro
quartel do sec. XX e, depois, � vinda e instala��o definitiva de algumas
fam�lias refugiadas da Alemanha, da �ustria e da Europa Central, durante a 2�
Guerra.
� de notar, no
entanto, que esta altera��o de propor��es tamb�m se deve ao
desaparecimento, por� assimila��o progressiva, de nomes sefarditas,
nomeadamente, Bensliman, Benarus, Cardoso, Conquy, Dray, Pinto, e tantos
outros. Nomes t�o importantes como o de Anahory� est�o, em 1960, reduzidos a
uma pessoa.
Apesar desta
assimila��o progressiva, a comunidade mant�m o seu funcionamento regular:
em 1951, uma circular da Direc��o, datada de Mar�o, refere a realiza��o de
dois e, por vezes tr�s servi�os religiosos di�rios, na Sinagoga Shaar� Tikv�.
Em 1961 e 62, as actas das Assembleias Gerais d�o conta da exist�ncia de um "minian"
( colectivo m�nimo de dez homens necess�rios � ora��o colectiva) di�rio, de
manh� e � noite, na sinagoga. Existem, nessa altura, dois "Hazanim"
(oficiantes) e dois " Shohatim" (praticantes do abate ritual), o que pressup�e
uma vida judaica bastante activa.
No entanto, a leitura
atenta destas actas revela alguns problemas importantes.
Em primeiro lugar,
o problema, nunca verdadeiramente resolvido, da educa��o judaica A
Escola Israelita, criada, como j� foi referido, em 1922, teve de fechar as
suas portas em 1937, por falta de um n�mero suficiente de alunos, capaz de
viabilizar a escola. Sucederam-se, ao longo dos anos, diversas tentativas de
solu��o, desde a cria��o de� um jardim infantil, aulas na Sinagoga, no Centro
Israelita, no Liceu Franc�s, mas� o problema nunca foi de facto resolvido de
forma satisfat�ria, com pesadas consequ�ncias para a vida comunit�ria.
Outro problema, � a
constante press�o da quest�o financeira. Em 1961, a receita mensal era de
10 mil escudos e a despesa de 40 mil. O d�fice era suportado pela "Guemilut�
Hassadim", associa��o israelita de socorro na hora extrema e funerais, o que
reflecte uma outra realidade preocupante da Comunidade, ou seja o
envelhecimento da sua popula��o. Com efeito, entre 1961 e 1962, tiveram
lugar , 5 nascimentos, 3 casamentos e 15 falecimentos, sendo, pois, o saldo
claramente negativo.
As institui��es
comunit�rias tamb�m se v�o reduzindo,
reflectindo, por um lado, as limita��es comunit�rias e, por outro, as
altera��es� da pr�pria sociedade envolvente. Assim , deixam de existir, em
1960, o Hospital Israelita e a Cozinha Econ�mica. A assist�ncia aos pobres
continua a ser feita pela� associa��o de benefic�ncia "Somej Nophlim" (Amparo
dos Pobres), mas em presta��es monet�rias, o que altera por completo o
significado da pr�pria benefic�ncia e a rela��o entre benem�ritos e
beneficiados.
Os anos 60 s�o um
per�odo muito pouco auspicioso para o juda�smo portugu�s:
o desencadear da guerra colonial em 1961 e que se prolonga at� � revolu��o de
Abril de 1974 e o massivo movimento de recusa da guerra, por parte da
juventude portuguesa, tem, como n�o podia deixar de ser, um eco profundo nos
jovens judeus, tanto mais que morrera, em Angola, o jovem judeu Meir Kopejka,
em 1961. Nos anos 60, praticamente toda uma gera��o de jovens judeus, sai
de Portugal, fundamentalmente para Israel, o que do ponto de vista comunit�rio
trar� graves e duradouras consequ�ncias, alterando a normal estratifica��o
et�ria.
Por outro lado, a
d�cada de 60 representa, em Portugal, o per�odo mais cinzento da ditadura
salazarista, os anos da sua decad�ncia e degrada��o a todos os n�veis,
mas, simultaneamente, os anos em que mais se agarra ao poder. Embrenhado numa
guerra sem fim, isolado internacionalmente, o regime abafa e reprime qualquer
lufada de ar fresco suscept�vel de o p�r em causa.
Esta situa��o tamb�m
se reflecte no juda�smo portugu�s que se fecha, de certa maneira, sobre si
pr�prio, remetendo-se prudentemente para um "low profile", pouco
estimulante, tanto mais que a hierarquia da Igreja Cat�lica era um dos pilares
do regime.�
A abertura pol�tica� e os judeus em Portugal, hoje
Com a Revolu��o de
Abril de 1974 �iniciam-se mudan�as profundas na sociedade portuguesa e na�
rela��o desta com os "seus" judeus.
A abertura pol�tica e a
instaura��o da democracia� e da liberdade em Portugal, vai permitir� um outro
olhar sobre a hist�ria e a identidade nacional.
� vis�o nacionalista
estreita, sucede a consci�ncia da import�ncia das� heran�as �rabe e judaica.
Abrem-se os arquivos, surge � luz do dia a riqueza do contributo judaico,
desde os prim�rdios da nacionalidade at� ao decreto de expuls�o, no sec. XV,
mas, tamb�m, os horrores das convers�es for�adas , a longa noite da
Inquisi��o, as discrimina��es dos crist�os novos.
Portugal descobre-se e
ao descobrir-se encontra-se com os seus judeus.
O pedido de perd�o simb�lico de M�rio Soares, ent�o Presidente da
Rep�blica, em 1989, pelas persegui��es que os judeus sofreram em Portugal e a
Sess�o Evocativa dos 500 anos do Decreto de Expuls�o dos Judeus em Portugal,
em Dezembro de 1996, no parlamento portugu�s, na qual foi votada, por
unanimidade, a revoga��o simb�lica do Decreto, marcam, de facto, um virar de
p�gina no relacionamento m�tuo.
Cresce muit�ssimo o
interesse, n�o s� dos estudiosos, mas de vastos sectores da popula��o sobre as
quest�es judaicas , paralelamente a um processo de identifica��o hist�rica,
por parte de grupos significativos da popula��o. Basta dizer que, no �ltimo
censo, cerca de seis mil pessoas declaram-se judias, provavelmente por serem,
ou se considerarem, descendentes de crist�os-novos.
Este interesse
reflecte-se na Comunidade, atrav�s de solicita��es crescentes que v�o desde os
in�meros pedidos de visitas de escolas � Sinagoga, at� � organiza��o de
cursos, palestras e semin�rios sobre juda�smo o que, de certo modo, veio
abalar� a tranquilidade da Comunidade obrigando-a a abrir-se e a dar respostas
para as quais nem sempre estava preparada.
Mas hoje em dia j� n�o
� poss�vel viver fechado sobre si mesmo. A comunidade judaica, como qualquer
outra minoria, integra-se num corpo social, relativamente ao qual tem direitos
e deveres, n�o apenas individualmente, mas como colectivo. � este,
ali�s, o sentido da nova Lei de Liberdade Religiosa, ao regular o pleno
exerc�cio da pr�tica religiosa, n�o apenas dos cidad�os, mas das
colectividades religiosas.
Sobre a Comunidade
Judaica portuguesa exercem-se, actualmente, duas� for�as de press�o, algo
contradit�rias: